Eram irmãos inseparáveis que viviam em um vilarejo pobre das imediações de Tierra Madre. Como todos os vilarejos menores, seus pais tinham de deslocarem-se a trabalho para a grande cidade quando eles ficavam sozinhos cuidando da pequena choupana, e meio a uma estrada velha abandonada longe da antiga Tradição, pois nem mesmo no vilarejo os pais dos irmãos, que eram dois tinham dinheiro ou posses para viverem dentro dele seguramente.
Aqueles sempre foram tempos difíceis, e mais ainda para quem não tinha a proteção de seu vilarejo, morando próximo dos vizinhos, que podiam acudir a qualquer descaso que ocorre-se no meio do caminho de sus vidas já tão sofridas...
Os meses se passaram e o inverno chegou naquele tempo forte e cruel, pois além do frio causticante, havia também o vento forte do sul que naquela época foi mais implacável do que nunca...Em meio a um dia de vento e neve forte os pais dos dois irmãos demoraram a sair da cidade de Tierra Madre e perderam o horário de saída das conduções que deslocavam nas estradas da Tradição e se houvesse porventura, alguma que deslocasse antes após do horário, hoje não o faria por causa do vento e da neve que caía forte lá fora.
Foi uma caminhada difícil e mortal para os pais daqueles meninos, que sempre esperavam os mesmos chegarem para poderem comer algo, pois naqueles tempos, trabalhava-se no dia para poder comer á noite. Dinheiro, recursos e comida eram escassos, pois o clima não fora muito amigável,naquela época do ano, com nas demais. Foi um momento de espera e fome que, com certeza fez o irmão mais velho sair a procura em meio ao vento e ao frio, dos pais, que pareciam nunca chegarem, e foi o que houve...
Como disse o tempo não ajudou em nada nem a ninguém. Foram quarenta e cinco dias implacáveis de vento, chuva, geada e neve...Largava um e pegava outro clima.Quem podia ficou em casa sem sair para nem espiar lá fora, uns diziam que era a mais terrível temporada de inverno que poderia ter tido nos últimos dez anos...Muitos morreram dentro de suas casas, daquele pobre vilarejo de frio e fome.
Vimos corpos ressequidos, encolhidos nas residências sem ter nem ao menos condições de acenderem um pouco de fogo, para se aquecerem, pois a fraqueza não deixava-os sair sequer da cama ou canto quente que se alojaram, havia alguns que se encolheram juntos aos seus com a intenção de se aquecerem um último momento, ou que sabe na hora derradeira de pelo menos morrerem ao lado dos seus, dos que se importavam, de quem amavam. E assim foi em maioria das casas que os sobreviventes do vilarejo passaram, procurando vida, qualquer sinal que fosse, uma mínima vida, para salvar e continuarem a viverem, sobrevivendo.
Assim ainda passaram mais quinze dias até que alguém lembrou dos irmãos chulé, que ficaram esse tempo todo sozinhos, sem pais que nem haviam conseguido quem sabe partir da cidade grande onde trabalhavam como servos, por um parco salário e sobras das mesas dos seus senhores mais abastados, que ainda reclamavam com certeza de haverem de pagar os serviços braçais dos quais já não tinham intenção de fazerem por simples vaidade de posição social, e de ter o renome de poderem requisitar empregados, para mostrar uma abastância que não era tanta assim, afinal do porque de seus reclames, não?
Todos os que podiam ainda andar, sem muitas das queimaduras de frio para tratarem foram a casa nos fins da rua esquecida da velha Tradição, já temendo o pior, pensando em ter de prepararem duas covinhas, em terra rala e pobre donde moravam, infelizmente.
Ao chegarem encontram os meninos saudáveis e viçosos, com poucas queimaduras, e por quarenta e cinco dias, conseguiram manter o fogo aceso e se alimentaram...De momento achavam que era um milagre de algum padroeiro do casal, que sempre foram devotos dos assuntos celestes e espirituais. Contudo chegando mais dentro da residência, entenderam de momento que de benção não havia nada, mas como tudo na Serra era simplesmente a mais pura sobrevivência.
Em cima do fogo viram a carne cortada em tiras, para secar e nos cantos do tacho até os ossos quebrados para arrancarem o tutano, conhecido por muitos como caracú dos ossos...Da pele fizeram sapatos, ou enrolaram seus pés para poderem cortar a lenha lá fora dentro do frio caustico. Dos cabelos arrancaram o escalpo cuidadoso para fazerem tocas e mesmo dos cérebros usaram ele para amaciar outras tiras de pele para enrolarem nas mãozinhas, para saírem lá fora pegar a água no poço.
Sim, seus pais lhes ensinaram muito bem a se virarem, na ausência deles, mesmo que faltassem poderiam ainda assim ter uma chance de viver, e assim o fizeram, pois era um momento de total necessidade, afinal quem não o faria em tais condições?
Encontramos as carcaças de seus pais descarnadas com todo o cuidado para poderem aproveitar o máximo que podiam tirar, de proveito deles...O irmão mais velho com certeza encontrou os pais congelados na entrada da estrada que dava acesso á casa dos irmãos e os trouxe para dentro. Com o tempo não melhorando e cada vez pior os irmãos tomaram a única decisão de se manterem vivos através dos restos de seus pais...E se você fosse os pais dos irmãos chulé, por acas os reprovaria? Não é assim que um pai tem de fazer por seus filhos, se possível dar as suas vidas para que possam viver?
Pois eles deram sim, através de sua carne ,gordura e ossos, seus filhos puderam viver e continuar...Sobrevivendo.
domingo, 21 de junho de 2015
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