Era mais uma manha fria quando nos chamaram de nosso acampamento para as ordens de deslocamento do grupo para uma ronda em um dos vilarejos, que ultimamente começara a ter seus cadáveres dos cemitérios desaparecidos...Seria roubo de túmulos. animais com fome, devido ao inverno? Só saberíamos quando chegássemos no local, mas as ordens foram bem claras: resolvam de vez a situação daquele vilarejo e não voltem sem terminar com tudo isso!
No final de palavras como tropa humanizada só havia o nome para uma boa relação com a população civil, não uniformizada, afinal nós é que limpávamos toda a sujeira para debaixo do tapete, não é mesmo?
Foi um deslocamento lento por causa do dia que não queria nem ajudar. Havia neve caindo e o vento frio corroía as entranhas mesmo com nossos mantos e agasalhos por que no fundo o aço será sempre frio no inverno.
Chegando no local horas depois, demos de encontro com o intendente da vila, que veio a nos contar que após um tempo de grande frio que se teve notícia a cada mês ou quinze dias os corpos dos cemitérios começaram a sumir. Algo revolvia a terra e os arrancava de seus caixões, não levando mais nada, nem mesmo algum pertence que ficasse com o morto dado pela família como era do costume local. Pedi que me mostrasse os túmulos violados enquanto a minha tropa se acomodava dentro de um salão comunitário usado para reunir o povo do vilarejo.
Segui lentamente o intendente, que andava timidamente a minha frente, e que vez ou outra olhava com o canto dos olhos, para trás como se tivesse sabendo de algo, se precavendo do invisível?
Dentro dos túmulos haviam caixões espedaçados e nas mais recentes violações dava para ver o arrasto do corpo para a mata adentro?
- Com certeza podem ter sido os lobos!- pronunciou o intendente, quem sabe para puxar algum assunto, em meio ao meu silêncio em observa a cena do desatino...
- Lobos não usam pás meu amigo! ?Vê as marcas nos caixões? São uniformes demais para serem presas, bem como as laterais do escavo esta rete demais não acha?
- Mas se forem homens, o que querem com cadáveres de pessoas pobres como nós? Não temos nada a oferecer, por que?
- Calma,mas entenda que todos sempre tem algo a dar ou ser tomado mesmo na sua morte...O que é nada para alguém é tesouro de outrem.
Saímos do local para um abrigo menos frio, fui me aquecer perto de uma lareira pois o tempo lá fora demasiado frio já afetava as minhas articulações. Em pouco tempo o grupo preparou um bom café quente , de nossas rações, pois se houvesse algo de humano nos atos contra o cemitério bem poderia ser um dos moradores e então aceitar comida da população local era colocar-se em risco até de um envenenamento aleatório e mortal...Bom assim que nos acantonamos , começamos a proteger o local, com sentinelas como manda as regras do combate e recomeço a pensar sobre o caso.
Curiosamente o tempo dá uma trégua a todos inclusive aos campesinos que podem sair finalmente para seus afazeres, então foi ótima oportunidade para conhecer o povo e seu comportamento, suas curiosidades.
Mesmo que não falemos com muitas pessoas o nosso corpo fala e se reflete como água na figura de outras pessoas...Passaram-se dias mais promissores , fizemos rondas no local e nem sinal de lobos ou cães ensandecidos, tudo indicava alguém de dentro do próprio vilarejo...Tento conversar com a população mas acho de que todos sem exceção escondem algo. Então conversando com uma senhora idosa, para conhecer se outrora houvesse casso semelhante, noto que seu olhar para por momentos apreensiva por cima de meu ombro e quando me viro, vejo dois rapazes, empurrando um carrinho de lenha, e vinham da mata.Notei como a mulher ficou muda por um tempo e seus olhos lacrimejaram de medo ou coisa pior.
Através desse momento mágico de observação, comecei a conhecer com mais detalhes a vida desses rapazes, que sempre foi dura, pois viviam fora, nos arredores do vilarejo, e morar longe da segurança de vizinhos é por necessidade, ou pra se esconder, ou esconder algo.
Do intendente ele me contou que eram sobreviventes da grande nevasca e frio que se deu uns anos atras, onde muitos vilarejos pereceram por completo, afetando inclusive a própria vida dos mais abastados de Tierra Madre, pois quem pode pagar alguém pra fazer suas obrigações, não precisa trabalhar muito pesado..O problema é que faltou mão de obra e aí muitos agiotas da cidadela se complicaram e muito, e nisso forma raros os momentos que os poderosos precisaram dos mais fracos, então o porque de se lembrarem tanto daquele tempo sombrio.
Dentro de minhas caminhadas, previ uma guarda no cemitério revesando todo o dia...Como sempre uns homens não compreenderam o teor disso, achando que poderíamos fazer algo mais importante do que guardar os mortos, contudo por ter uma visão um pouco mais adiante que eles, era por isso que eu ser chefe de grupo e não um deles. Aprendi muito com meu pai, que fora caçador e a primeira maneira de pegar um predador é cortar a fonte de comida dele, nesse caso , o cemitério.
Bem, observando mais atentamente os irmãos, me reservei a passar perto deles, para conhece-los melhor, então os parei para conversar:
-Boa tarde, vocês moram no vilarejo?
-Não senhor! Moramos em uma cabana, na estrada abandonada, a uns quilômetros daqui.- respondeu o irmão mais velho comum olhar selvagem, perturbador até.
- E o que fazem no vilarejo?
-Nós cortamos lenhas para os mais velhos, em torca de temperos, óleo e sal - respondeu o mais novo sob o olhar severo de seu irmão mais velho.- agora o senhor nos dá licença que temos prazo pra entregar essa lenha!
Eles se mandaram, e pensei comigo: esses moços eram fortes, demais até para um local onde a pobreza era marcante...Teriam de ter muita proteína para digerir, o que era muito raro por aqui, uma vez que o vilarejo sobrevivia mal e parcamente da agricultura local, tendo de completar as suas rendas nos trabalhos em Tierra Madre, na realidade em sub empregos, pois na desgraça não tem quem se aproveite desses infelizes...Bolas! Novamente estou divagando filosofia que não interessa
ao lado de soldado da ordem.Devemos cumprir as determinações e não pensar sobre elas, é o que sempre nos ensinam, e só temos futuro se seguir a regra de ouro ao pé da letra, que seja!
Agora passaram-se mais de um mês e tive a infelicidade de vera aquela senhora com a qual falei passar mal e morrer subitamente, nos meus braços. Em meio a sua agonia ela me puxou ao pé do ouvido e me disse em voz fraca:
- Meu filho...Já vivi muito e chegou minha hora. Por favor, faça um agrado para essa velha?
Queime meu pobre corpo e não me enterre, me queime, não quero sofrer como alma penada no estômago de nenhum OGRO! ....Por favorrr...
Sim , eu ouvi a palavra Ogro! Conhecido pelas superstições locais, a maldita criatura e afanadora de cadáveres e se alimenta deles, violando túmulos, e muitas maleficiências. Mas isso seria possível, um ogro no vilarejo?
Eram altas horas quando fui chamado pela guarda do cemitério. Como esperava e percebi os cadáveres levados eram recém mortos de maioria e poucos passados do tempo da putrefação, então o sentinela atento viu movimentação no túmulo daquela velha senhora e viu um encapuzado tentando arrombar a sua lápide, quando tentou para-lo ele se interiorizou mata adentro...Agora começava a caçada!
Uma vez pelas minhas suspeitas havia deixado armadilhas perto do cemitério..Em uma correria dentro da mata num frio que cortava nosso pulmões perseguíamos sombras até que uma das armadilhas funcionaram e seguindo em sua direção vimos o encapuzado se escapando das amarras...Sem perder tempo disparei três setas, sendo que uma atingiu seu alvo, pois vimos uma poça de sangue no local onde estava a armadilha desativada por ele.
Seguindo o rastro demos de encontro com a água fria do rio forte que cruzava nas proximidades do vilarejo, ali até mesmo os cães perderam o rastro e o frio veio repentinamente muito forte e por precaução recolhi a tropa de volta ao acantonamento, para nos recuperarmos e recomeçar de dia mais claro...Confesso que fora uma noite de horas intermináveis, pois era meu intuído terminar logo com esse mistério todo. Então a manha chega e recomeçamos as buscas...Percorremos toda a lateral do rio na sua val direita e esquerda, onde no final encontramos manchas de sangue que levavam de volta a floresta...Claro qeu podia supor onde daria a trilha de sangue e não deu outra: era a casa dos irmãos arrediados do vilarejo.
Quando chegamos, vi a chaminé acesa da casa indicando que haviam pessoas dentro do local.Então cercamos a casa e com um grupo armado e de escudos entramos na residência onde estava uma cena dantesca.
Sentado na mesa, no centro estava o irmão mais velho, morto.Suas entranhas abertas, e faltavam órgão dentro, inclusive o coração.Notei que meu disparo atingiu seu figado e por causa do frio ele demorou a cair, vindo para na casa, com seu irmão mais novo, contudo não seria um ferimento que levou a morte do mesmo, pois seu crânio havia sido rachado pelo machado de sua casa, pelas mãos do próprio irmão.
Na mesa também comendo um refogado macabro de entranha e pedaços do coração tava o irmão.Ele comia ávidamente, com medo que tirássemos o prato de suias mãos. Então após se empanturrar e até arrotar do excesso ele empurra o prato, me encara e começa a contar tudo.
- A primeira vez que fizemos isso foi com nossos pais naquele terrível inverno. Eles nos alimentaram um bom tempo...Após percebemos que gostamos e nos tornamos mais forte com isso e nem sempre precisava...Um corpo quando eramos pequenos dava para mais de mês, por isso ninguém sentia falta quando íamos nos cemitérios...Contudo o tempo passou, crescemos e nossas necessidades também...
e deu que quase ninguém mais morreu de uns tempos pra cá...O senhor não sabe como é difícil arranjar carne boas em meio aos corpos apodrecidos. Estávamos passando fome, acredite!
Ontem vi meu irmão chegar daquele jeito, igual a mãe, igual ao pai, eu acreditei que fosse um sinal deles, e minha fome era grande, eu não pude esperar ele se ir, adiantei o processo e pela primeira vez a muito tempo eu comi bem, pois ha diferença da carne fresca é gritante, não acha?
Sem nada a dizer, o levamos a frente da estrada da tradição, encontramos a primeira árvore grossa e galhada. Lançamos as cordas, e o enforcamos, como testemunha passou um idoso, um penitente que parou um tempo vendo o rapaz agonizar e desfalecer, e sem nada a dizer, a não ser pelos olhos seguiu seu caminho, assim como a tropa, que levantaram acantonamento e seguiram de volta ao forte, para um bom descanso merecido, sendo que muitos iriam a taverna para beberem e esquecer tudo.
Quanto a mim, era mais um fantasma que iria acompanhar-me nesses trechos da vida....Eu não comecei tudo isso mas no final, fui eu quem terminou com tudo, e isso vai acontecer sempre mais de uma vez, nos um dia finalizaremos, como finalizamo
tudo.
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